Um ano após perder o mais velho de seus quatro filhos, Limbert Beltrán não abriu mão de alguns hábitos. Quase todas as manhãs, o professor de história de uma escola pública de Cochabamba, na Bolívia, passa no cemitério Parque de Las Memórias e conversa um pouco com o jovem Kevin, a quem chama hoje de seu “anjo”. Ao lado da esposa Carola e dos três filhos mais novos, ele conserva o luto pela morte do garoto de 14 anos, atingido por um sinalizador na partida entre San José e Corinthians, em Oruro, dia 20 de fevereiro passado.
- Vamos rezar por ele como fazemos todos os dias. 20 de fevereiro é um dia de dor como todos os outros que passaram desde a tragédia com meu filho - disse o boliviano.
Triste e amargurado após exatos 365 dias, Limbert não busca mais respostas sobre a perda na família. Em conversa por telefone com a reportagem do GloboEsporte.com, o professor diz ter perdido o gosto pelo futebol, pela justiça e, por vezes, até pela vida. Em seu ofício, ele busca dar boas condições de vida aos herdeiros que ficaram. Por outro lado, lamenta não ter tido uma ajuda maior do Corinthians.
A relação com o clube brasileiro durou até o pagamento de US$ 50 mil (cerca de R$ 115 mil) em julho do ano passado, como ajuda de custo à família do garoto morto. Limbert queria mais e ainda aguarda, esperançoso, um novo contato.
- Ninguém nunca mais nos procurou. Não é pelo dinheiro, é pelo respeito com um garoto que amava o futebol e morreu vendo seu time de coração. Eles prometeram US$ 200 mil na época e depois voltaram atrás. Ninguém nos respeita – desabafou o pai de Kevin.
- Espero que essa lembrança de um ano faça o Corinthians ter alguma sensibilidade de novo. Trataram a morte do meu filho como um grande negócio. A Justiça boliviana se vendeu para arquivar o caso. São vendidos, em nenhum momento ligaram para minha família - completou.
Limbert já esteve em Oruro algumas vezes, mas nunca depois de ter perdido seu filho. Ele prefere ficar longe do estádio Jesús Bermudez, palco da tragédia no ano passado. Kevin queria ver o jogo do seu amado San José porque tinha a chance de assistir também ao então campeão mundial em campo. Paolo Guerrero e Alexandre Pato eram seus jogadores preferidos naquele dia. Logo após um gol do peruano, aos cinco minutos do primeiro tempo, um sinalizador que partiu da torcida do Corinthians atingiu a cabeça do garoto.
O primo Beymar, responsável por acompanhar Kevin naquela partida, mostra trauma até hoje. Não gosta de falar sobre o assunto, abandonou os estádios e ainda chora a morte do parente próximo.
- Assim como o Kevin, ele era um fanático pelo San José, gostava muito de futebol. Hoje, perdeu o gosto. Eu também perdi, acho tudo um grande negócio, onde os interesses são muito grandes. A vida não teve valor nesse caso. Recebemos essa ajuda do Corinthians e mais nada. Da Conmebol e da Confederação Brasileira, praticamente nada. Da justiça boliviana? Menos ainda – ressaltou Limbert Beltrán.
A Justiça local arquivou o caso por falta de provas em agosto passado, quando os últimos cinco dos 12 corintianos detidos em Oruro foram libertados. Por meio do Ministério Público local, a família de Kevin tentou anular a decisão por meio de um recurso. Em vão. A ausência de punições é o que mais chateia o pai.
- Estou convencido de que nem todos eram culpados. Um menino se entregou no Brasil, mas isso não ficou muito claro até hoje. Lamento a forma com que a justiça boliviana tratou o caso. Todo mundo quis aparecer em cima de uma tragédia. Vamos reconstruir nossa família com muito trabalho. Eu esperava mais, mas não dá para confiar nessa gente - reclamou Limbert.
Nesta quinta, a família de Kevin promove a missa de um ano da morte do menino, na catedral de Cochabamba. A igreja fica ao lado do hotel em que o Corinthians se hospedou ano passado, dias antes da viagem a Oruro. Na ocasião, o técnico Tite visitou o local e fez suas preces antes do início da Taça Libertadores.
Do G1
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